JAVIER MARÍAS | ESCRITOR
“A Internet organizou a imbecilidade pela primeira vez”
Javier Marías, de ‘Assim começa o mal’, lançado no
Brasil, completa 64 anos irritado.
“Os romances
devem ser tão ambíguos quanto a vida”, diz o autor
Juan Cruz 1
OCT 2015 - 18:55 BRT
Javier Marías Mariano Rajoy Sociologia Internet
Telecomunicações Ciência Espanha Comunicações Sociedade
LUIS SEVILLANO
Um
dos maiores escritores espanhóis contemporâneos, Javier Marías acaba de
completar 64 anos e se diz irritado com a política na Espanha, a Internet e
outras coisas mundanas. Seu romance Assim começa o mal – uma trama de embustes
e segredos durante a Transição espanhola, considerada por muitos críticos o
melhor livro de ficção de 2014 – acaba de ser lançado no Brasil pela Companhia
das Letras. Confira o bate-papo do autor com o EL PAÍS, de que é colaborador
prolífico.
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informações
“Os romances devem
ser tão ambíguos quanto a vida”, defende o autor
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Pergunta. Você reuniu
95 artigos publicados no EL PAÍS SEMANAL sob o título Juro No Decir Nunca La
Verdad (“juro não dizer nunca a verdade”, lançado na Espanha pela Alfaguara).
Eles refletem um período em que seu desassossego civil cresceu. O que lhe
sossega?
Resposta. Sou bastante
desassossegado, inquieto, às vezes nervoso. Desde que amanhece. Talvez me
acalme quando saio para caminhar sem celular. Eu o uso nas viagens. Sinto-me
mais a salvo quando não estou ao alcance de ninguém.
P. Dizia Kafka que
despertar é o momento mais arriscado do dia.
Estes quatro anos de legislatura [na
Espanha] foram irritantes e injustos"
R. Para mim é o pior.
Aos 25 ou 30 anos, era o de ir dormir: eu começava a me preocupar com o futuro.
Agora, acordo atemorizado: custo a me acostumar à ideia de que devo começar o
dia.
P. E já não há mais
sossego.
R. Vejo as manchetes e
tudo me parece mais grave do que é. O sobressalto me dura até que eu me molhe,
até submergir na banheira.
P. E depois se molha
escrevendo...
R. Você escreve na
imprensa para se banhar nas suas opiniões ou para não calá-las demais. Tento
raciocinar, explicar por que alguma coisa me parece estúpida, injusta ou
errada.
P. O que a realidade
lhe fornece como escritor?
R. Ela me serve para
estar mais atento. Se eu só fosse romancista, correria o risco de ficar com a
cabeça nas nuvens. Escrever na imprensa me deixa um pouco mais desperto.
P. A classe literária
tende a ter a cabeça nas nuvens?
R. Há aqui [na Espanha]
a tradição de romancistas que colaboraram na imprensa. A maneira de um
romancista enxergar a realidade pode ser útil num país.
P. Pode-se interpretar
por seus artigos que sua irritação cresceu?
R. É difícil saber se
isso é porque me tornei mais resmungão! Ou porque há mais motivos para estar de
mau humor. Ou porque agora chego aos 64 anos, uma idade que os Beatles
consideravam revoltante. Mas estes quatro anos de legislatura [na Espanha]
foram irritantes e injustos.
P. Você qualifica esta
época de grosseira e brega. Seriam adjetivos contraditórios, mas
complementares?
R. Se não estiverem
unidos, às vezes se alternam na mesma pessoa. Há uma grosseria deliberada e,
depois, o mesmo indivíduo solta uma breguice descomunal no artigo seguinte, se
falamos de escritores da imprensa.
P. Você fala também de
baixeza, de vilania. O que houve, Marías?
R. Nunca fomos um país
muito educado; os períodos democráticos verdadeiros foram escassos e duraram
pouco, com exceção do atual. E parece que houve uma regressão. Há um pouco de
baixeza na Espanha que reemergiu agora. Jovens que nasceram nos anos oitenta agora
insultam este período; esse propósito de desprestígio me enche de perplexidade:
é o melhor de todos os que tivemos. Nessa atitude há uma espécie de pulsão
autodestrutiva que se dá aqui e que espero que não se consolide.
P. Poderia ser ufanismo
da ignorância?
As pessoas se intimidam
diante dos internautas exaltados e se desculpam sem razão"
R. Sim. Ignora-se a
história, falseia-se... Esqueci de dizer: a Internet tem coisas maravilhosas,
mas há algo que é novidade: pela primeira vez a imbecilidade está organizada.
Sempre houve imbecilidade; imbecis iam ao bar, tornavam públicas as suas
imbecilidades, mas é agora que se organizam, com grande capacidade de contágio.
E há um problema agregado: as pessoas se intimidam diante de internautas
exaltados e se desculpam sem motivos. E as pessoas sofrem represálias. É
truculência. E não há melhor forma de a truculência triunfar do que se
intimidando e se amedrontando. A Espanha é um país particularmente adepto da
truculência.
P. Você diz que estamos
em perigo de regressão.
R. Sempre. Há agora
sintomas de que isso pode dar errado. O dano é uma constante da vida espanhola:
há uma espécie de pulsão autodestrutiva que agora dá as caras outra vez. Tomara
que eu esteja errado, mas, sim, vejo perigo.
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