O
deslocamento forçado de populações causado por obras de hidrelétricas na
América Latina.
Barco nas águas do rio Xingu, onde está sendo construída a usina de Belo Monte: MPF do Pará já ajuizou 23 ações contra a hidrelétrica. |
A
implementação de projetos e megaprojetos hidrelétricos é a origem de vários
conflitos ambientais e sociais que vivenciam numerosas comunidades na América
Latina. A intervenção das multinacionais nos megaprojetos, impulsionados por
agências transnacionais, faz aumentar não só os impactos ambientais nos
ecossistemas e nos territórios, mas também ameaça e enfraquece os direitos
humanos, atentando contra os direitos fundamentais à dignidade humana, à vida,
à saúde, ao acesso à água e a outros direitos associados ao meio ambiente.
Vários
países latino-americanos estão sendo fortemente afetados em sua diversidade
étnica, cultural e ambiental pelas intervenções das multinacionais por meio de
projetos e megaprojetos hidrelétricos, que geram riqueza para seus acionistas e
colaboradores e pobreza para a população local, perda da diversidade cultural e
biológica, deterioração das condições ambientais, entre outros problemas. A experiência
das comunidades assentadas nos territórios onde esses projetos hidrelétricos se
instalam, é o sistemático desconhecimento dos direitos fundamentais, a
perturbação de sua vida individual e social, a perda da identidade e o
deslocamento forçado, situação que se agrava quando se trata de comunidades
étnicas, que têm grande dependência cultural e social de seus territórios
ancestrais.
Os projetos
hidrelétricos constituem um dos cenários reconhecidos por pesquisadores como
causadores de deslocamentos forçados de pessoas e comunidades. Pequenos ou
grandes, os projetos hidrelétricos sempre causaram o deslocamento e/ou
reassentamento da população local, quer por meio de desapropriação ou despejo
de seus territórios por meios legais, na forma de declaração de utilidade
pública do território onde a obra será realizada, ou pelos impactos ambientais
e sociais previstos ou imprevistos, que obrigam a população a se deslocar. Esse
tipo de deslocamento é enquadrado pela comunidade científica internacional e
por organizações protetoras dos direitos humanos dentro da categoria de
deslocados pelo desenvolvimento. Dentre eles se podem citar aqueles
deslocamentos ocasionados pela construção de barragens, reservatórios e
transvases, explorações minerais e até mesmo megaprojetos urbanos.
Em um
instrumento jurídico internacional, há um reconhecimento explícito do
deslocamento forçado causado por projetos de “desenvolvimento”.
A Convenção
da União Africana para a Proteção e Assistência às Pessoas Deslocadas
Internamente na África (Convenção de Kampala[1]),
adotada em 2009, consagra no seu artigo 10 “o deslocamento induzido pela
implementação dos projetos”, ou seja, leva em conta que um dos impactos
produzidos pelos projetos econômicos é o deslocamento forçado e estabelece
obrigações para os Estados-partes para prevenir, na medida do possível, os
deslocamentos forçados causados por projetos realizados por agentes públicos ou
privados; assegurar que os interessados explorem alternativas viáveis,
informando e consultando as pessoas que possam ser deslocadas por projetos; e
realizar uma avaliação do impacto socioeconômico e ambiental de um projeto de
desenvolvimento antes de sua realização.
Não somente
existe evidência e reconhecimento científico do deslocamento forçado das
populações humanas causado por projetos hidrelétricos, como também se encontram
decisões judiciais e audiências perante a CIDH (Comissão Interamericana de
Direitos Humanos), solicitadas por organizações sociais e não governamentais,
pondo em evidência a implementação inadequada de projetos de “desenvolvimento”
na América Latina, dentre eles os projetos hidrelétricos de Parota (México),
Belo Monte (Brasil), Quimbo e Hidroituango (Colômbia), observando que a
principal causa da violação dos direitos humanos, em especial do direito a um
meio ambiente saudável, é o não cumprimento por parte dos Estados de suas
obrigações em matéria de proteção dos direitos humanos e do meio ambiente, ao
implementar políticas e autorizar projetos de mineração e energia que se
convertem na origem de inúmeros conflitos socioambientais.
*Javier Gonzaga Valencia Herández é advogado, PhD
em Direito Ambiental, professor adjunto, pesquisador e diretor do Centro de
Pesquisas Jurídicas e Política Social da Universidade de Caldas, Colômbia, e
membro da rede Waterlat-Gobacit.
**Traduzido do original em espanhol por Maria da
Piedade Morais, técnica de Planejamento e Pesquisa do Ipea
Publicado originalmente pela Revista Desafios do Desenvolvimento
[1] 1 União Africana (2009): Convenção da União Africana para a Proteção e Assistência às Pessoas Deslocadas Internamente na África (Convenção de Kampala). Cimeira Extraordinária da União Africana, realizada em Kampala, Uganda, em 22 de outubro de 2009. Tradução não oficial pela Unidade Legal Regional do Escritório para as Américas da Agência da ONU para os Refugiados- ACNUR
[1] 1 União Africana (2009): Convenção da União Africana para a Proteção e Assistência às Pessoas Deslocadas Internamente na África (Convenção de Kampala). Cimeira Extraordinária da União Africana, realizada em Kampala, Uganda, em 22 de outubro de 2009. Tradução não oficial pela Unidade Legal Regional do Escritório para as Américas da Agência da ONU para os Refugiados- ACNUR
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